20/01 Notícias da Igreja Dom Maurício Jardim: “Se fala muito de missão, mas precisamos crescer nas práticas, nos envios missionários”
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Terminou na última terça-feira, 17 de janeiro, a I Experiência Vocacional Missionária Nacional “Pés a caminho”, realizada de 5 a 17 de janeiro, na arquidiocese de Manaus (AM), que reuniu 280 missionários e missionárias de 94 dioceses e várias congregações religiosas.

Fotos: padre Luiz Miguel Modino

O bispo da diocese de Rondonópolis–Guiratinga (MT), dom Maurício da Silva Jardim, percorreu com um grupo de missionários a Área Missionária do Distrito do Cacau Pirêra, região de Iranduba (AM), que é composta por oito núcleos e mais de 60 comunidades ao logo da rodovia estadual AM 070 e regiões ribeirinhas.

Dom Maurício, que foi Diretor Nacional das Pontifícias Obras Missionárias (POM) por 6 anos, analisa a realidade da missão na Igreja do Brasil, os desafios que devem ser enfrentados. Mas também reconhece que participar dessa experiência coloca desafios na sua missão como Bispo.

“Aqui eu vivi uma semana que eu não tinha reuniões, que eu não tinha problemas com a administração, eu estava com o tempo totalmente disponível para as pessoas”, disse.

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista:

Dom Maurício Jardim. Foto: padre Luiz Miguel Modino

O que o senhor está levando de volta depois destes dias de experiência missionária, de visitar as comunidades, as famílias, na Área Missionária do Cacau Pirera (AM)?

O principal dessa experiência são as visitas, o contato com o povo. Essa proximidade é muito real, de ficar o dia inteiro de casa em casa, no sol, na chuva, atravessando rios, vendo igrejas flutuantes. Mas para mim o que fica é aquilo que ouvi do povo, o povo sentou conosco e falou daquilo que está enfrentando na família, muito surpreso de ver que a Igreja católica está indo ao encontro, está se tornando próxima.

Eu levo mais uma vez que a Igreja que tem que fazer essa opção. Aquilo que vivemos aqui no âmbito nacional, eu espero também no âmbito local, lá na minha diocese de Rondonópolis-Guiratinga, primeiro começando por mim, bispo da diocese, visitar o povo, reduzir os tempos que a gente tem da burocracia, das agendas lotadas, da parte administrativa, muitas reuniões. Mas também a gente conseguir, no meio de tudo isso, ter contato direto com as pessoas, sobretudo as que mais precisam, os mais pobres.

Aqui eu vivi uma semana que eu não tinha reuniões, que eu não tinha problemas com a administração, eu estava com o tempo totalmente disponível para as pessoas. Eu vou levar isso, que é o fundamental, a Igreja existe para evangelizar, a missão da Igreja é evangelizar, e aqui a gente viveu isso, a evangelização. Não é nós que comunicamos, mas sobretudo nós recebemos o Evangelho do povo, o povo nos anunciou, é um povo muito resistente, que transforma o sofrimento em alegria, que transforma o sofrimento deles numa força, sobretudo as mulheres que coordenam as comunidades.

A gente viu de onde essas mulheres tiram tanta energia, tanta força para lidar com a casa, com a família, com a comunidade, com o trabalho. Eu vou levar o testemunho de muitos cristãos aqui comprometidos e que são para nós um testemunho missionário.

A missão sempre foi fundamental em sua vida, foi missionário na África, durante 6 anos foi Diretor da Pontifícias Obras Missionárias no Brasil antes de ser nomeado Bispo da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga. Como o senhor vê a realidade missionária na Igreja do Brasil?

Na minha experiência pessoal foi crescendo a própria compreensão de missão, que não se reduz apenas em atividades, em um projeto ou outro, mas percebendo e entendendo que missão é a própria natureza, a própria identidade da Igreja. A Igreja existe para a missão, para ser uma Igreja em saída, missionária.

Sendo seminarista participei no Congresso Missionário Latino-americano em Belo Horizonte, e ali foi despertando cada vez mais que eu como eu como batizado devia assumir ser missionário, estar próximo do povo. E fui entendendo que missão é proximidade, é criar aquilo que o Papa diz uma cultura do encontro, sair de nós mesmos, ir às periferias, se aproximar do povo. E isso eu estou vivenciando aqui na Arquidiocese de Manaus, uma experiência de estar muito próximo das pessoas, entrar nas casas, sentar-se com as pessoas sem pressa, ouvir o que o povo aqui sofre muito, tem muitas dificuldades sociais, uma realidade muito violenta nas periferias.

Isso vai nos ajudando a não ficar só na reflexão, mas para a prática. Senti isso na minha vida, na minha vocação, tanto na minha diocese de origem, que é Porto Alegre, depois enviado pelo Sul 3 da CNBB para uma experiência de três anos e meio em Moçambique, na África, e voltando de Moçambique assumi uma paróquia, depois na direção das Pontifícias Obras Missionárias. Tudo isso é uma graça de Deus, Deus vai dando essa força da gente não ficar parado, acomodado.

Essa é a tendência nossa, pessoal, e da própria Igreja, ir-se acomodando, numa zona de conforto, achando que tudo está bem. Mas a missão nos provoca ver que não está bem, que as comunidades foram diminuindo, que a realidade da Igreja do Brasil, em momentos da história foi perdendo esse ardor, esse coração missionário. Eu vejo uma retomada, vejo que está crescendo essa consciência missionária.

O senhor diz que está crescendo essa consciência missionária. O Brasil foi um país que durante muitos anos foi evangelizado por missionários chegados sobretudo da Europa. A realidade foi mudando e o Brasil é um país que começa a enviar missionários para outros países e também para a Amazônia. Até que ponto a I Experiência Vocacional Missionária pode ajudar a que os futuros padres possam incentivar em sua vida e na vida de suas Igrejas locais essa consciência missionária?

Dom Maurício Jardim. Foto: padre Luiz Miguel Modino

Eu tenho essa consciência de que o Brasil já recebeu muito, em toda sua história de evangelização muitos missionários ad gentes. E a gente respira, tanto na Amazônia, no Nordeste, e em outras regiões do Brasil, que teve muita contribuição de missionários que vieram de fora. Eu vendo isso, me senti interpelado a colocar-me a disposição para também sair, por isso eu fui a Moçambique.

E nas Pontifícias Obras Missionárias, que tem como objetivo promover o espírito missionário universal, eu foquei muito nessa questão da missão ad gentes, que nisso eu penso que a Igreja do Brasil pode crescer muito ainda.

Ela que recebeu, ela pode dar da sua pobreza, como diz o Documento de Puebla, não esperar a que aqui no Brasil tenha um número suficiente de missionários, mas enviar, não tem missão sem envio, sem saída. Tem uma expressão interessante de um padre que trabalho nas Pontifícias Obras Missionárias, que dizia que inventaram refrigerante light, os doces diet, cigarros sem nicotina, café descafeinado, e agora inventaram uma missão sem saída.

Se fala muito de missão, também na Igreja do Brasil, mas precisamos crescer nas práticas, nos envios missionários. Por isso que nesses últimos anos se está insistindo muito no tema da missão ad gentes. O tema do Congresso Missionário Nacional aqui em Manaus vai ser esse: “Ide da Igreja local aos confins do mundo”. O sujeito da missão é a Igreja local, é a diocese, e abrir-se à universalidade da missão.

Nisso estamos dando alguns passos e os futuros padres, nessa experiência missionária também, eles que saíram de todas as partes do Brasil, a Amazônia é considerada também um tipo de missão ad gentes. Ela é um território universal da missão, que reúne várias culturas, vários povos, e os seminaristas vindo aqui, eu acredito que vai despertar neles também essa consciência missionária. E eles voltando para suas dioceses, na Universidade, na academia, na formação, levando tudo o que eles experimentaram aqui na Arquidiocese de Manaus.

Essas experiências missionárias, quando uma Igreja local envia missionários para outras regiões, outros países, sem dúvida enriquece a vida da própria Igreja. Em que podem enriquecer essas experiências missionárias a realidade das Igrejas locais, daquelas que enviaram seminaristas para esta experiência, daquelas que enviam missionários para a Amazônia ou para outros países?

A Igreja que envia alguém é uma Igreja que se enriquece, porque o envio, eu o vejo como a expressão de uma Igreja missionária. Se a diocese não envia ninguém, se não tem projetos de igrejas irmãs, se não tem nenhum projeto ad gentes, ela vai perdendo seu ardor, seu fervor missionário. A Igreja se enriquece na medida que envia, que dá da sua pobreza. No Brasil são mais de 60 projetos que tem de igrejas irmãs e é uma contribuição muito grande.

Eu vejo que missão é dar e receber, a Igreja oferece alguém e essa pessoa quando retorna, eu acho que é importante retornar depois de um certo tempo, para dizer aquilo que viveu na experiência missionária e contagiar as pessoas daquela Igreja local que enviou. Ela ganha em vocações missionárias, ela ganha em espírito missionário, ela ganha em uma consciência missionária de uma Igreja que não só fala de missão, mas vive a missão como sua própria natureza.

Por padre Luiz Miguel Modino, assessor de comunicação do Norte 1 da CNBB

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